quarta-feira, 27 de junho de 2012

As Cidades Invisíveis

Releio poucas coisas na vida, porque a arte é longa e a vida é breve, mas volta e meia me pego com "As cidades invisíveis", do Italo Calvino nas mãos. Das cidades descritas pelo Marco Polo no livro, Raíssa é sem dúvidas a minha preferida. Ai vai o pequeno conto para aqueles que ainda não leram (mas deveriam):
"A vida em Raíssa não é feliz. Pelas ruas, as pessoas caminham retorcendo as mãos, imprecam às crianças que choram, encostam-se nos parapeitos do rio com a cabeça apoiada nas mãos, acordam de manhã com um pesadelo e logo começa outro (...). Dentro das casas é pior, e não é necessário entrar para sabê-lo: no verão, as janelas ribombam de brigas e pratos quebrados.
Todavia, em Raíssa, sempre há uma criança que da janela sorri para um cão que pulou num alpendre para comer um pedaço de polenta que caiu das mãos de um pedreiro que do alto do andaime exclamou: " Minha jóia, tem um pouco para mim?" para uma jovem hospedeira que ergue um prato de sopa sob a pérgula, contente de servi-lo ao vendedor de guarda-chuvas que comemora um bom negócio, uma sombrinha de renda branca comprada por uma grande dama para pavonear-se durante as corridas, apaixonada por um oficial que lhe sorriu ao saltar o último obstáculo, que estava feliz mas mais feliz ainda estava o seu cavalo, que voava sobre os obstáculos vendo voar nos céus uma perdiz, pássaro feliz liberado da gaiola por um pintor feliz de tê-lo pintado pena por pena, salpicado de vermelho e amarelo na miniatura daquela página de livro em que o filósofo diz: " Em Raíssa, cidade triste, também corre um fio invisível que, por um instante, liga um ser vivo ao outro e se desfaz, depois volta a se estender entre pontos em movimento desenhando rapidamente novas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem mesmo sabe que existe."

domingo, 27 de maio de 2012

Exposição Caravaggio


Fomos a Belo Horizonte ver a exposição Caravaggio na Casa Fiat de Cultura. A fila enorme torna-se um detalhe irrelevante ao adentrar a sala com as obras do pintor. Ainda assim recomendo a visita durante a semana em horários menos movimentados. Não pela fila mas pela sala lotada. Imagina só: a apreciação da Medusa é um momento único  na vida. Você se depara com algo grandioso e sente os olhos marejando porque sem dúvida a pintura é daqueles feitos que redimem a humanidade. Aí, no meio dessa experiência em que você se sente feliz por estar no mundo, para uma tia louca do seu lado e diz: " nossa, esse ISCARAVAGIO era bom, olha! Que horror a cara dessa Medusa!". Eu pretendo voltar, num dia de semana no horário comercial.
Para quem mora em BH, tem transporte gratuito saindo da Praça da Liberdade. 
Maiores informações http://www.casafiatdecultura.com.br/

sexta-feira, 23 de março de 2012

Produzindo sentido

Das lembranças mais claras e latentes que tenho da minha infância, a do período da minha alfabetização é sem dúvida a mais importante. Incrível lembrar disso, mas o sentimento é ainda tão presente que sou capaz de descrevê-lo com alguma precisão. Lembro-me perfeitamente da sensação de começar a fazer parte do mundo, de viver num lugar cujos símbolos, finalmente, eu era capaz de decifrar, e de estar inserida, de repente, num lugar que começava a fazer sentido para mim.
Hoje quando vejo a pilha enorme de livros e textos que vão se acumulando na minha escrivaninha, sinto aquele  frio na barriga. Insegurança, medo de não ter fôlego para os próximos 4 anos de leituras densas e nem sempre prazerosas. Aí, chega a vez daquele texto genial que pensando conteúdos e questões específicas da história, são capazes de explicar o mundo. E assim, aquela sensação de um mundo que se descortina para mim, vem novamente à tona. E todas as inseguranças se dissipam com essa possibilidade de me alfabetizar para o mundo, de entender todas as suas camadas e complexidades. É preciso viver num mundo que faça sentido, que embora vasto, nele se sinta à vontade.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Vivendo com emoção

Andando pelos corredores da UERJ vi dois rapazinhos com cortes de cabelos estranhos conversando sobre ser louco, adrenalina e esportes radicais. Não sei se surfavam, escalavam a pedra da Gávea, saltavam de asa delta ou algo do gênero. Sei que o que estava em disputa era quem podia ser mais radical. Neste dia eu havia viajado seis horas de ônibus para chegar ao Rio de Janeiro e assistir 8 horas de aula. Encarei o trânsito engarrafado em pé num ônibus, sob um sol de 40 graus para chegar à universidade. Sobrevivi ao mesmo engarrafamento no final da tarde para chegar à rodoviária do Rio, pegar outro ônibus, encarar mais 6 horas de viagem até Viçosa, onde encontrei minha caminha somente às 4h da manhã. Neste dia, minha orientadora havia me indicado para apresentar um seminário cujo tema era: " Crise de paradigmas ou anarquia epistemológica?". Adrenalina pura não? Radical sou eu, bobinhos.

Declaração de amor ao Rio de Janeiro


Estudar na UERJ está sendo uma alegria. O Rio de Janeiro continua lindo, os cariocas coloridos, receptivos e com aquele X cada veix maix saboroso. Mas eu preciso confessar que o melhor momento da minha estada carioca é, sem dúvida, quando entro na sala de aula e a professora liga o ar condicionado.

domingo, 11 de março de 2012

Casquete




Correndo o risco de espantar meus leitores do sexo masculino, peço licença para um momento "mulherzinha". Amigas, achei uma relíquia num brechó em Santo Antônio do Leite (um delicioso e bucólico distrito de Ouro Preto). O "achado" é um casquete. Aqueles delicados enfeites de cabeça que a princesa da Inglaterra adora usar em eventos formais. Mal posso esperar o próximo evento para estrear o meu!

quinta-feira, 8 de março de 2012

No dia Internacional da mulher o assunto é futebol

Explicando porque essa flamenguista vibrou com a vitória do Fluminense sobre o Boca pela libertadores ontem! Um amigo comentou certa vez sobre um jogador argentino:" Messi é craque? Claro. Racionalmente falando posso até dizer, usando de algoritmos e inequações ele é o melhor do mundo. Mas estamos falando de futebol e eu costumo usar a razão apenas para comprar sabão em pó. Messi enche meus olhos com seu futebol, em alguns momentos. Mas não tem meu apego, minha paixão. Por que futebol é algo dos seres enraizados, dos moleques, dos cretinos, dos patriotas, dos problemáticos. Messi nunca brigou de garrafa nas quebradas de La Boca. Meu coração não me permite gostar do Messi. Apenas uma ponta de uma coisa sem graça e turva chamada razão, que eu uso pra escolher sabão em pó."
O Messi não joga no Boca, mas isso explica o meu "viva o futebol do Rio de Janeiro".

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ao Passo



É mesmo um privilégio viver em Mariana. Acordei, abri as janelas e vi uma manhã linda. Coloquei um cd do Scarlatti e fiquei imaginando uma manhã de domingo animada numa cidade barroca : tinha uma mocinha casadoira tocando uma sonata de scarlatti no cravo para reunir a família. Nos arrumamos e fomos a Ouro Preto onde estendemos a manhã animada numa tarde deliciosa no Passo.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

SBT no carnaval do Rio de Janeiro

A equipe designada pelo SBT para cobrir o desfile das campeãs nos proporcionou muitas gargalhadas. A falta de sincronia entre o que a câmera mostrava e o que os comentaristas falavam, a falta de informação e repertório, os improvisos desastrosos foram só uma pequena amostra do que estava por vir. Uma figura hilária que comentava as fantasias, depois de confundir o ator Milton Gonçalves com o cantor Milton Nascimento, resolve falar sobre o dourado das alegorias, que dentro do enredo da Portela referia-se ao Barroco da Bahia. O pequeno gênio comenta:
-Pois é gente, o carnaval é muito antenado com a moda. O dourado é uma das tendências neste verão e estendeu-se à avenida, veja quanto dourado!!!
Eu
:O
E o namorido
- É imbecil, então o dourado está na moda desde o século XVIII

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Escrevendo Tese

Perguntas sobre minha tese me deixam confusa. Não basta ter um projeto de tese, é preciso estar preparada para as perguntas a respeito dele (que surgem nas mesas de bar, cafeterias e até em casa).
Quando passei no doutorado meu namorado comentou: "é, amor, agora só o que te separa do título de doutora é uma tese". E eu pensei: moleza! Agora cá estou eu tentando, não apenas entender e desenvolver meu projeto de tese, mas explicá-lo às pessoas. Então vamos lá: minha proposta é trabalhar o comportamento de deputados eleitos às Cortes de Lisboa, entre 1808 e 1823. A idéia é pensar as brechas abertas pelo processo de reformulação e reconfiguração das antigas instâncias de poder, iniciada com a chegada da corte ao Brasil, e com isso a abertura de um espaço maior de ação individual. Quero pensar, a partir de suas trajetórias e ação, como eles aprenderam a operar com as novas ferramentas (como vocabulário e cultura política) emergentes com as reivindicações constitucionalistas e reconstituir essa dinâmica de expansão e reinvenção dos espaços de ação individual nessa conjuntura.
Ufa, falei!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Digerindo

Lendo as páginas finais da "História do Cerco de Lisboa"(do Saramago). Das melhores coisas que li ultimamente. O revisor que desrespeita o texto alheio, troca um sim por um não e muda toda a história da retomada de Lisboa pelos portugueses. Mas o genial mesmo é perceber um cerco que não acabou, que se faz presente nas ruas, castelos, nas pessoas, oito séculos depois. O cerco da então cidade moura seria o cerco do revisor... da história...da Lisboa de hoje que se refaz...
Selecionei um trecho que para mim foi o melhor momento da leitura
"Raimundo Silva não tem pressa. Consulta gravemente o itinerário, por sua satisfação vai tomando minuciosas notas mentais, por assim dizer complementares, que atestam a sua própria contemporaneidade, lá na Calçada do Correio Velho uma soturna agência funerária, uma espuma branca no céu azul, de avião a jato, como no zul do mar a longa esteira de um barco rápido, a Pensão Casa Oliveira Bons Quartos da Rua da Padaria, o Restaurante Come Petisca Paga Vai Dar Meia Volta, mesmo ao lado das Portas do Mar, a Cervejaria Arco da Conceição, no dito, a alta pedra de armas dos Mascarenhas no cunhal de um prédio do Arco de Jesus, onde teria sido uma porta da cerca moura, a inscrição na parede, protestativa, o portal neoclássico do palácio dos condes de Coculim, que Mascarenhas eram, armazéns de ferro, nisso deram as grandezas, um mundo de coisas fugazes, transitórias, que o certo é todas serem, sem exceção, pois já o rasto do avião se dissipou e do resto dará o tempo conta a seu tempo, é só ter a paciência de esperar. O revisor entrou em Alfama pelo Arco do Chafariz d'El-Rei, almoçará por aí, numa casa de pasto da Rua de S. João da Praça, para os lados da torre de S. Pedro, uma refeição popular portuguesa de carapaus fritos e arroz de tomate, com salada, e muita sorte, que lhe calharam no prato as tenríssimas folhas do coração da alface, onde, verdade que não a sabe toda a gente, se acolhe a frescura incomparável das manhãs, a orvalhada, o rocio, que tudo é o mesmo, mas se deixa repetido pelo simples gosto de escrever as palavras e dizê-las de modo saboroso. À porta do restaurante estava uma rapariguinha cigana, de uns doze anos, estendia a mão, à espera, sem pronunciar palavra, apenas olhando fito o revisor, que, indo atrás dos pensamentos que o ocupam, não viu cigana, mas moura, na hora da primeira necessidade, quando ainda havia a quem pedir e os cães, os gatos e os ratos julgavam ter vida assegurada até à sua natural morte, por doença ou guerra das espécies, afinal, o progresso é uma realidade, hoje ninguém, em Lisboa, anda à caça de animalejos destes para comer, Mas o cerco não acabou, avisam os olhos da cigana." (pagina 73)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

De volta ao Cerco de Lisboa

A leitura do Saramago vai bem obrigada, bem devagar. Tenho dedicado tempo a leituras acadêmicas e o Cerco de Lisboa tem sido deixado de lado. Não é difícil como pensei a princípio. É preciso, na verdade, se acostumar com o estilo do autor. Ele tenta aproximar sua escrita da oralidade, substituindo por exemplo pontos por vírgulas, ou abrindo mão dos dois pontos e do travessão ao apresentar as falas das personagens no discurso direto. O resultado é que é preciso algumas 30 páginas para se acostumar com frases enormes, naturalizar a pontuação e deixar a leitura fluir. Engrenei:
"Afinal, é apenas um romance entre os romances, não tem que preocupar-se mais com introduzir nele o que nele já se encontra, porque livros destes, as ficções que contam, fazem-se, todos e todas, com uma continuada dúvida, com um afirmar reticente, sobretudo a inquietação de saber que nada é verdade e ser preciso fingir que o é, ao menos por um tempo, até não se poder resistir à evidência inapagável da mudança, então vai-se ao tempo que passou, que só ele é verdadeiramente tempo, e tenta-se reconstituir o momento que não soubemos reconhecer, que passava enquanto reconstituíamos outro, e assim por diante, momento após momento, todo o romance é isso, desespero, intento frustrado de que o passado não seja coisa definitivamente perdida. Só não se acabou ainda de averiguar se é o romance que impede o homem de esquecer-se, ou se é a impossibilidade do esquecimento que o leva a escrever romances."

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pedro Almodóvar X Lars von Trier


Não sou uma grande entendendora de Cinema, mas posso me dizer uma entusista da sétima arte. Depois de assistir A Pele que Habito, do Almodóvar, tive que abrir uma garrafa de vinho e conversar com ele (o namorido) sobre nossas impressões. Almodóvar teve o mérito de nos causar algumas inquietações, que mesmo hoje, dias depois, não conseguimos sossegar. Mesmo nós dois, que nos consideramos (talvez ingenuamente) criaturas bem resolvidas com nossos corpos e sexualidade.
À primeira vista, achamos o filme um grande clichê. Uma tentativa, embora bem sucedida, pouco complexa de colocar os "bem resolvidos com seu corpo e sexualidade" no lugar daqueles que vivem em um corpo que não corresponde ao que si é. Porém, o filme precisa ser digerido e passados um, dois e mais dias, vem vindo à tona algumas complexidades do filme que uma análise superficial deixa escapar.
Entre uma taça e outra, chegamos à questão do estupro e é intrigante como mesmo as cenas de estupro dirigidas pelo Almodóvar são leves, às vezes até desastradas gerando aquele risinho de canto de boca. Inevitável a comparação com as cenas chocantes e densas/tensas sob direção de Lars von Trier. Inclusive, depois de assitir o Anticristo, até mesmo as cenas de sexo consentido, me parecem condenáveis. E pimba, chegamos ao ponto, assunto deste post.
O Lars, um dinamarquês muito alemão, parece ter condenado a humanidade. Em Melancolia, por exemplo, quando o mundo/vida acaba, a única pessoa capaz de enfrentar o fim com dignidade é a personagem que passa todo o filme desiludida, melancólica, negando ritos, afetos, laços e toda nossa parafernália social, mostrando-se indiferente a todas essas coisas com as quais se leva a vida. O prazer nos condena, o poder nos condena, a existência é vã. Por isso a sensação pós Lars é sempre de desencanto (desencanto do mundo, nada mais protestante, mais alemão).
Mas o Almodóvar nos redime, seus filmes são sempre uma celebração da vida, como se ela se justificasse em si mesma. Nada mais católico, nada mais espanhol! Em A Pele que Habito, a personagem transformada não aceita sua nova condição. Isso fica claro quando ela mata seu médico, e assim Almodovar consegue nos deixar inquietos, nos sentindo vulneráveis em nossa própria condição. Porém, ao final há um olhar que transtorna toda a história. E esse olhar para mim é a celebração da nossa loucura, da nossa condição. Esse olhar é o da funcionária da loja de roupas para Gal (personagem transformada). O rapaz que sofre a mudança de sexo/pele era apaixonado pela funcionária da loja de sua mãe, que não se interessava por ele porque era lésbica. Ao vê-lo transformado, ao derecionar a ele aquele olhar de desejo Almodóvar nos dá uma segunda chance!
(Gente, preciso parar por aqui porque a *Rose (a famosa dos posts aqui) está fazendo o almoço e não para de falar, está dificil terminar o texto, mas eu volto)

O Barbeiro de Sevilha


Adivinha quem vai assistir a ópera de Rossini "Il Barbieri de Siviglia" no Teatro Dell'Opera em Roma? Pois é, a blogueira que vos fala. Dia 26 de Abril, contagem regressiva para minha vidinha macarrônica!

sábado, 7 de janeiro de 2012

Enquanto isso, no Rio de Janeiro


Adoro férias

Leitura do momento

Comecei a ler "História do Cerco de Lisboa" do prêmio Nobel José Saramago. Leitura difícil, ainda não engrenei. Para falar a verdade eu acho que sou uma doutoranda em história que não gosta de ler. Gosto de saber as histórias, gosto de um parágrafo bem construído, de uma metáfora genial. Tenho disciplina, mas não gosto do ato de ler. Minha estante está cheia de livros que comecei e nunca terminei. "Cem anos de solidão", por exemplo, foi leitura infinitas vezes interrompida. Gosto dos textos do Machado e do Italo Calvino, não consigo parar de ler. A Emily Bronte e seu " Morro dos ventos Uivantes" me fez ficar na rede um dia inteiro, em plenas férias no Rio de Janeiro, tão atordoada com Heathcliff e Catherine. Chorei mesmo foi na minha adolescência, quando li Lucíola do José de Alencar. Me torno uma pessoa melhor todas as vezes que leio Clarice, porque passo a entender melhor o mundo. Acho que autores com esses criaram personagens cujas histórias e experiências me aproximam da vida e me fazem sentir redimida com o mundo. Tai aí, eu leio mesmo é para que o mundo faça sentido para mim.