terça-feira, 20 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Melancolia



Acabei de assistir " Melancolia" do Lars von Trier. Tem aquele prólogo com imagens lindas ...a música do Wagner...a kirsten Dunst.... mas sabe aquela sensação de que perdi alguma coisa?

Caso Pluvioso

E mais chuva. Façamos dela nossa inspiração como Drummond o fez

A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que Maria é que chovia.
A chuva era Maria. E cada pingo
de Maria ensopava o meu domingo.

E meus ossos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura…
Maria, chuvosíssima criatura!

Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono, e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa…Nossa!

Não me chovas, Maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia em vão – pois que Maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira Maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!

Eu lhe gritava: Pára! e ela chovendo,
poças dágua gelada ia tecendo.
Choveu tanto Maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de Maria mais chuvavam,

de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,
e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.

Os seres mais estranhos se juntando
na mesma aquosa pasta iam clamando
contra essa chuva estúpida e mortal
catarata (jamais houve outra igual).

Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas dágua mais deliram,
e Maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.

Os navios soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,
e Maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais, Maria! – e ela parou.

A chuva



Sei que a chuva não quebra osso,
que há defesas contra seu soco.
Mas sob a chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final
em que não creio mas me volta
como o descreviam na escola:
mesmo se ela caisem trovão,
demótica em sua expressão...
No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre
para não se ir, não se fazer,
para trancar-se no não-ser.
Mais que em cordas é chuva em saberes
que aprisiona o dia em grades;
e mesmo quem tenha gazuas
da grade viva, evita a rua.
A chuva nem sempre é polícia,
fechando o mundo em grades frias:
há certas chuvas aguaceiras
que não caem em grades, linheiras:
se chovem sem qualquer estilo, se chovem montanhas, sem ritos.
São chuvas que dão cheias, trombas,
em vez de cadeias dão bombas. Há no Recife uma outra chuva
(embora rara), rala, miúda.
Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra de água,
passa em peneiras esta chuva, não traz balas, não tranca ruas:
mas faz também ficar em casa,
quem pode, antevivendo o nada.

João Cabral