quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A chuva



Sei que a chuva não quebra osso,
que há defesas contra seu soco.
Mas sob a chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final
em que não creio mas me volta
como o descreviam na escola:
mesmo se ela caisem trovão,
demótica em sua expressão...
No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre
para não se ir, não se fazer,
para trancar-se no não-ser.
Mais que em cordas é chuva em saberes
que aprisiona o dia em grades;
e mesmo quem tenha gazuas
da grade viva, evita a rua.
A chuva nem sempre é polícia,
fechando o mundo em grades frias:
há certas chuvas aguaceiras
que não caem em grades, linheiras:
se chovem sem qualquer estilo, se chovem montanhas, sem ritos.
São chuvas que dão cheias, trombas,
em vez de cadeias dão bombas. Há no Recife uma outra chuva
(embora rara), rala, miúda.
Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra de água,
passa em peneiras esta chuva, não traz balas, não tranca ruas:
mas faz também ficar em casa,
quem pode, antevivendo o nada.

João Cabral

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